Sobre o novel coronavirus (Covid-19) e a aparentemente tão desejada propagação por Moçambique


Sobre o novel coronavirus (Covid-19) e a aparentemente tão desejada propagação por Moçambique (a julgar pelos inúmeros falsos anúncios de casos criados com a intenção de criar pânico e espalhar medo para fins ainda não claros), é importante saber que se um dia tivermos casos cá, a disseminação da doença deverá obedecer ao seguinte esquema:

1° - casos importados (os primeiros casos devem ser viajantes infectados de países onde já existe a doença, ou pessoas próximas de viajantes que no caso seriam portadores assintomáticos).

2° - transmissão local (na sequência teremos pequenos focos de casos em pessoas que tiveram contacto com o primeiro grupo, por isso normalmente vemos nos outros países uma aparente fase de contágio reduzido no início da propagação).

3° - transmissão comunitária (aqui veremos mais casos nos bairros onde residem ou trabalham os casos dos 2 grupos anteriores mas ainda em focos localizados).

4° - transmissão disseminada / Epidemia (nesta fase começaremos a ter muitos casos sem história de contacto com suspeitos ou casos confirmados, em zonas onde sequer haviam casos confirmados, o número de casos começará a subir exponencialmente, haverá registos de casos graves e eventualmente mortes).

É importante compreendermos o modo de propagação para evitar o pânico, entender as medidas que o nosso Governo está a tomar e pretende tomar, e percebermos o nosso papel como cidadãos neste processo.

Entendamos que:
- Para impedir a primeira fase de propagação o controle de quem entra no país é a medida mais eficaz (aí se vê a lógica dos controles fronteiriços, suspensões de voos de e para alguns países, das restrições na emissão de vistos e até cancelamento de vistos emitidos, do seguimento/acompanhamento de nacionais e estrangeiros que venham de países com número considerável de casos declarados nas chamadas quarentenas domiciliares). Conseguimos também prever que se estas medidas não forem efectivas e de facto entrarmos na primeira fase, provavelmente teremos medidas mais drásticas como encerramento de fronteiras e suspensão de todos os voos de passageiros de e para Moçambique.
Foi só nessa primeira fase que a África do Sul fechou algumas fronteiras (para os que criticaram o Governo de Moçambique por não o ter efeito, podem agora entender a lógica por trás de cada decisão).

- Para impedir a segunda fase de propagação as duas medidas mais eficazes são o distanciamento social (de todos nós cidadãos moçambicanos) e o isolamento (quarentena obrigatória) de quem está infectado e de todos os seus contactos (com a testagem desses contactos e retorno a comunidade dos casos negativos depois da quarentena; os casos positivos com ou sem sintomas devem ser mantidos isolados pois são reservatórios da doença e fontes de contacto).
Esta é a lógica da existência de centros de isolamento ("tentativa agressiva de contenção do surto") e de medidas de restrição social (é por isso que o Governo está a encerrar as escolas e a recomendar que se evite aglomerados de mais de 50 pessoas). Se chegarmos a esta fase, esperamos medidas mais duras como suspensão laboral de todo o pessoal não essencial e encerramento de locais de lazer (portanto ainda não se decidiu pela suspensão laboral porque como podem perceber, não há ainda lógica para esta medida).

- Para impedir a terceira fase de propagação as medidas mais eficazes são o confinamento obrigatório a todos os cidadãos (recolher obrigatório) e a testagem massiva (aí já temos alguns casos sem histórico de contacto com viajantes logo a triagem por histórico de contacto/viagem já não será eficaz; e também com a propagação nas comunidades, a identificação/rastreio de casos com tratamento sintomático se necessário, é essencial para o controle da propagação da doença nesta fase, afinal os portadores assintomáticos embora não estejam doentes transmitem a doença).
É no reconhecimento desta fase e adopção de medidas agressivas que muitos países falham (a Itália demorou a implementar o recolher obrigatório e está a pagar com a pior mortalidade até então, os EUA demoraram a implementar a testagem massiva e não conseguiram evitar a propagação até a quarta fase).
Aqui é mesmo para fazer perceber o porquê de não estarmos a desperdiçar testes "a toa" hoje (então evitem correr para farmácias e laboratórios fazer testes não acreditados pelo Ministério da Saúde de Moçambique), há-de chegar a fase dos testes massivos se infelizmente falharmos na contenção nas duas fases iniciais. É na preparação da estratégia para esta fase que suspeito que o Governo esteja concentrado neste momento (pois ela envolve recursos financeiros que podemos não ter, quer seja para comprar o volume necessário de testes, quer seja para dar suporte financeiro e bens de primeira necessidade a população caso seja necessário o confinamento por tempo ainda não previsível) daí a lógica na criação de um grupo técnico liderado pelo Ministro que tutela a área da Saúde para aconselhar ao Presidente da República.

- Sobre a quarta fase de propagação pouco resta por dizer, falhou a contenção, esgotaram-se recursos, só resta "damage control".
Aí entrará em xeque a capacidade do nosso Sistema de Nacional Saúde. As decisões hão-de girar em torno de:
• "manter hospitais específicos para doentes com Coronavirus" (para tentar num último suspiro reduzir o número de novos casos e também proteger os que estão internados por outras doenças) versus "criar áreas específicas para estes doentes em todos hospitais" (como tentativa de talvez reduzir a logística envolvida neste processo de transporte destes doentes e quiçá reduzir o risco de propagação associado a estas deslocações), fico feliz porque percebi no discurso do Ministro da Saúde que o Governo está a prestar atenção nisso e a adaptar a sua estratégia de acordo com a experiência que está a colher de outros países;
• desinfectar diariamente as áreas com maior número de infecções (a China fez isso em Wuhan, como muitos de vós acompanharam nas redes sociais);
• tentar reduzir a transmissão por meios materiais como dinheiro e outros objetos que passam de mão em mão (um bom exemplo exemplo disso foi a quarentena de dinheiro efectuada pelos bancos centrais na China e Coreia do Sul);
• eventualmente poder-se-á decidir sobre o que fazer com os mortos (para "de novo" evitar maior propagação);
• etc.

Para terminar, lembrar a todos que o nosso comportamento será determinante para o sucesso do país nessa encruzilhada que se avizinha. Como puderam perceber há níveis de alerta e de tomada de decisão que estão a ser monitorados pelo Governo, o Governo parece estar bem avançado na antecipação de algumas medidas e o desespero e pânico não fazem parte da solução deste problema.

Continuemos a lavar e desinfectar as mãos com álcool em gel, quem estiver gripado poderá fazer o uso da máscara facial, evitemos contacto interpessoal e socializações não essenciais (adiemos festas de aniversário, casamentos, shows etc) e sobretudo usemos toda a informação acima para monitorar a evolução e propagação desta Doença, bem como das medidas adoptadas por quem de Direito para a nossa protecção.

Abraços

Paulo S. Gudo
(Médico Moçambicano)

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